Enxergar o que os outros pensam é,
quase sempre, tão desimportante quanto andar a pé e se orientar por placas. De
trânsito. Principalmente porque enxergar não quer dizer que entende, que precisa daquilo para viver. Você apenas enxerga. Assim
como vê rostos de pessoas o dia todo, no trabalho, no metrô, na tv. Não
quer dizer nada. Apenas que se tem visão. E “ver/enxergar” tem tantos
sentidos como a cegueira pode ter. De que forma você é cego?
Tenho dois cachorros. Dormimos os três no mesmo canto à anos. Minha
cama, paralela a uma janela grande de madeira. Daquelas que a gente só encontra
em casa de interior. Depois da janela, do lado de fora, duas almofadas para
peludos grandes e leais. Sempre me acordam a
noite, parece que cães também roncam. Mas durmo tarde e sempre tem visita que dorme em casa. Me vingo.
Um deles é cego
há uns 6 anos. A casa
é grande, com escadas externas sem corrimão e porão.
O cego: Akita.
O outro, Pitbull de visão periférica e noturna.
Quem entra em linha de frente é o
que não enxerga. Não julga o suficiente para ladrar de medo ou susto. Segue seu
instinto, escuta, percebe, age e 'fala'. Como fala. É o que avisa com arranhões
de porta -muito bem colocados- quando um estranho chega. Desenvolveu
o olfato, sabe quando a panela de pressão tem carne ou couve, faz a escolha certa,
se levanta quando precisa, dá carinho quando o coração manda, interage sem
perder a linha. O pitbull simplesmente obedece. Desatina com tudo que vê,
late. Late, late. Mas volta e espera novas ordens dadas pelo que não
vê nada que não seja sensação.
Intuição, coração. Essencial e invisível aos olhos.