sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

“Cadê Bebel”

Ninguém sabe. 

O farol fecha. Ela encosta a cabeça no banco do carro. Cerra os olhos grandes com vontade, uma eternidade a consome. Mais solitária que a garça que pescava sozinha nas praias do sul.

A cabeça tão em branco como as paredes do novo apartamento. Não há mais o que chorar. O destino não estava sendo tão justo como de costume. A sorte escapando entre os dedos, grãos de areia. Logo ela.

Não podia voltar. Todo dia acordava pedindo força e esperança. Perdia o brilho dos olhos, perdia toda aquela alegria. Os docinhos foram perdendo o gosto. Andava rude, sem paciência e totalmente avessa. Brigando pelos quatro cantos sem motivo. E logo ela.

Separou aquelas últimas lembranças numa gaveta, fora do alcance dos olhos. Bebeu toda a Coca-Cola que havia na geladeira pra não lembrar mais das velhas manias. O problema não era apego, tampouco carência. Nunca fora egoísta. Não tinha a intenção de prender nada nem ninguém. Acreditou a vida inteira no valor da liberdade, do amor completamente livre. Que voa e volta para fazê-lo junto, e tão alto quanto possa.

Mas não havia mais jeito. Para onde teria ido aquilo tudo? Fotografias recortadas. A cama revirada e o café da manhã com tanto carinho. Pão quentinho derrete manteiga. 

As camisas que roubava-lhe com propriedade, com ou sem consentimento. Percussão com itens da cozinha, ô riqueza musical. Tanto rhythm & blues na sala e tanto calor no quarto. As intermináveis melhores horas da noite, derretendo.

Mas e as sutilezas das conversas, para onde foram? O samba à meia luz e a fumaça do incenso competindo com o cigarro dele. Tapetes e carícias. Os filmes, as festas, os festivais de música e o prazer da companhia. A graça de vê-lo sem entender as histórias sobre danças latinas e invasões bélicas. Os roteiros de cinema russo sem sentido algum.
E não dormir enquanto ele não chegava. Ansiedade de primeira vez. Os cães de olhinhos ternos pedindo pra brincar.

-Mas filha, onde é que você anda com a cabeça?

Ela não sabe.
Precisava de alguém pra acarinhar. Precisava de alguém para amar. Mas precisava de sintonia, também.

O carro foi virando método de terapia. O banco de trás pra espreguiçar e sentir aquela canseira boa de vida. O asfalto lisinho batendo tranquilidade, espaço pra concentrar a cabeça nas curvas da estrada. Nos pedidos pela paz, pelo fim da saudade, mais respeito e valor. Por manhãs mais ensolaradas e noites quentes. Sem amargura nem marcha ré.
 

Um chamado de caça ecoa sem resposta.

 Ela é a última leoa.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

É um caminho sem volta.

Como a correntinha de ouro que eu perdi na praia. Como os brinquedos guardados por guardar, sem pretexto. A gente cresce e nunca mais brinca. Por mais que eu tenha guardado aquela única boneca, a bola de praia do verão de 96, a caixa cheia de bloquinhos de lego, a aliança do primeiro flerte na adolescência. Tudo acaba morrendo nas caixas, entre as incorrigíveis paredes que separavam a reminiscência.

E nem importa o quão grandiosas tenham sido. O tempo não volta, e raramente a gente volta pra memorar as lembranças do tempo.

Sabe o que aconteceu, amor? O calor que fazia no seu quarto no verão andou deformando a beleza do nosso império. Não bastasse o tempo, tão antagônico e indigesto.

Superamos fases, dores, amores. Superamos esse momento. E a mais dura de todas as verdades é que superamos pessoas. E elas, irredutíveis, nos superam também.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um marrento de Rider

Ele é o meu batuque. A porta caprichosamente pintada. Queijo, pão e ovo, bem fritinhos. É a minha meninice escondida. A mania de rasgar as coisas nos períodos de fúria. Alias, é a minha fúria. Meu impulso e análise. Ele jura que não se importa, mas me olha com insistência reparando nos meus vestidos bonitos. E assobia alto. Um sucesso.

É por causa dele que eu ligo o carro já querendo passar a 3ª marcha. E um bom motivo pra adorar aquelas frutas todas penduradas no boteco.

Eu o observo. Quando nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrange. Ameaça abaixar a cabeça, mas sustenta o olhar e fixa. É uma timidez momentânea. Mas acaba, afinal, ele É.  Das maiores certeza que os meus olhos conheceram; tanto que eu abro um sorriso.

Sabe o cheiro de casa nova? Ele é isso também. As fatias todas do bolo que ele vai comendo enquanto fala. A vitamina C, o pedido de cuidado com a rua, calçadas, estradas e escadas que eu detesto. A intuição que ficou na minha cabeça. A vontade de não me importar. O desfecho bonito do filme. Ele é o índice daquele livro de física que eu ganhei e doei, sequer folheei.

Minha rua, minha agonia, as lágrimas da infância. Ele é tudo. O golpe de judô, o videogame, meu dom espontâneo pra fazer carinho mordendo e beliscando. Os paquímetros que ficaram nas gavetas, e todo o cansaço que eu tenho pra arrumar as coisas que ele bagunça. 

Ele é o meu não. O olhar que me reprime e depois volta atrás. Meu baixinho expressivo, o brinquedo engenhoso que eu tive. Os meus olhos lúdicos. As histórias que ele amarra, a criatividade dos livros. Os cálculos que eu nunca consegui fazer, ele me ensinou. Eu não aprendo, mas ele aceita. A gente não entende, mas sempre se aceita. Termina o dia rindo, falando em inglês. 

Ele é a obsessão de uma vida, as cinco mil músicas que gravou no Cd. A saudade que ele deixa quando pega o avião. Ele é o meu sangue A. Minhas pernas grossas são dele. A preguiça, toca dos leões. Arte da guerra. O olhar que demora pra entender o amor. A maior sina da minha genética, miopia. Sufoco quando ele sufoca, preocupação, estalo. Meu ‘sabe-tudo’.  A raiva horrorosa que eu tenho. Os nós que a nossa sobrancelha dá. Ele é minha vontade de nadar na praia, mas que delícia. 

Eu juro que odeio. Odeio muito o motor do carro roncado quando ele acelera. E ameaça atropelar todo mundo. Mas meu mundo desvira. Ele me olha nos olhos com o carinho que eu busco. O aviãozinho dos braços, voando aos 3 meses de vida. As piadas idiotas que eu repito antes de dormir pra mantê-lo aceso na saudade. Por causa dele, eu tive que aprender a viver. A aceitar a vida como ela é. A driblar o peso de um orgulho. Sutil, agressivo, incisivo, briguento de paz e ciumento sem ciúme.

O desespero no telefone. O carrinho de rolemã da infância dele, e o pintinho que ficou no bolso da calça e não resistiu a viver.  Minha loucura, o sempre ‘do contra‘. A questão que eu não consigo responder, e nem ele. Mas a gente se diverte. Meu agradecimento, a única lágrima que caiu do olho... Mas nossa, que sincero. A mesa cheia de restos de borracha. Eu sou a menininha que repousa o queixo nessa mesa. Ele é o meu pai. Um marrento de sandálias. Rider.

Não que eu tenha crescido. O nosso imenso mundo foi que encolheu. 

domingo, 21 de outubro de 2012

Cativeiro

Repenso mil vezes o caminho, mas não o nego. Você é a coisa mais incrível que entrou na minha mira.
Extraviou tanto as fronteiras do tempo que até confundo a estrada, acelero na curva. O nome disso é paixão? Você ao menos podia deixar de ser severo, sem esse papinho que eu faço da vida poesia em exagero. Desilude meu encanto. Saio puxando assunto com todo mundo na rua pra chorar as pitangas todas que eu guardei de você.
Pra ser sincera, só queria tomar um suco bem exótico enquanto a aurora levanta o dia. Essa é a nossa melhor obra-prima: Tanto Viver.

Eu que não espero quase nada, anda plantada esperando que compareça. Fique ao meu lado. Deixe que eles nos julguem o tempo inteiro, eu não sei odiar ninguém e nem sequer retribuo. É uma questão de essência. Continuo flutuando, como quando a cidade assiste a leveza das nossas longas caminhadas. Encontro, feitiço e saudade... Tudo nosso.

Não, eles nunca vão entender o momento em que esse amor acontece.

Você cativa minha alma, passarinho. Enjaula meu leão, toda noite é cativeiro. Fico presa sem janelas, não respiro o mundo. Mas inspiro aconchego, faço travesseiro de você e me mimo enquanto dorme. Puramente instintivo, te espero no ninho. Nada nos contém, acontece que é tanto mel e intensidade...

Queria reinventar essa nobreza de sentimento. É um risco. Na verdade, com você me dá vontade de continuar sendo essa menina tola, que tolamente não crê na maldade no mundo. Perco a hora e deixo pra mais tarde a vontade pelo gosto dos cinco continentes. Até repenso a ideia de falar alemão, italiano, africâner, grego, francês... A hora do almoço desvira meu apetite por açúcar, nem janto, só durmo, acordo e trabalho. As histórias e risos sempre sobram, deixo de passar para o papel. Desperdício.

E pra completar, as lembranças de botequim me prendem ao erro. Se arrependimento matasse mesmo, eu nunca morreria. Toda manhã invoco meu preto, meu índio e meu Buda. Peço que me libertem desse excesso de altruísmo. Cheguei num estágio tão alto de generosidade que mais parece destruição.

Agora já passam das 5 da manhã, desejo o mundo todo sorrindo por inteiro. E entender o nosso começo numa perspectiva que não assuste.

Eu quero cativar você, mas por favor não me prenda nesse cativeiro. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Desabotoar

Hoje vai ser a noite mais difícil. "Você tem que ser forte". Escuto praticamente o tempo inteiro.  Mas é véspera de feriado e a o afastamento me consome. Acender o abajur agora é desconforto.

Delimita fronteiras nas minhas idéias. Eu chego em casa, acendo a luz e sinto fome. Mas não como, falta vontade. Chocolate perde o gosto, mas eu insisto. Bebo água e quase choro, parece banho... Nosso. Na nossa varanda tá tudo tão bonito. As luzes sempre acesas, quietude. O movimento leve do cachorro pesado, o movimento pesado do cachorro leve. Eu abaixo, passo um carinho bem demorado nos dois... Que gostoso! Cada um deles em seu fluxo, ritmicamente vão se virando para mim. Parecem perguntar onde é que, o que me falta, está.

Entro em casa, Djavan roda sem parar. Último cd que ficou no dvd da sala. Insistência. Ninguém olhando e eu quase choro. Não consigo ficar uma semana sem aquela sua camisa cheia de botões cerados. Achei que conseguiria. Deve ser a solidão, não tem nada além de mim dentro de casa. Na minha memória, eu sinto o toque. Entreponho minha mão entre as frestas, eles vão abrindo sem receio. Botões rasgando. Sem esforço, desabotoam. Desabam a toa. É nessa hora: eu desabo. 

Falta ar, mas não tem a ver com desencantamento. Nem com medo. Nem falta de plenitude, amor, felicidade. Eu só sei amar. Estava livre até às seis. Mas depois, me acomete uma prisão. Divido meu timbre, cansaço, lembrança. A novidade do momento me passa pela cabeça. Traz tanta certeza, mas há também uma tensão. Metade de mim chora por dentro. Implora pra eu pedir pra você me acarinhar. Debate com meu coração, eu até sinto uma ansiedade. Minha mão sua, não consigo ver a novela. Ligo a tv bem alto pra me acompanhar. Tem cerveja na geladeira e eu penso: “quem é que vai beber isso agora?”.

Penso em ligar pro meu pai. Mas só penso. Nesse estado, o começo de conversa só se daria chorando. Não queria essa carência. Minha liberdade quer voar com os passarinhos todos, nos ninhos muitos, mas com a sua companhia. Ou algo que me valha. Pra suportar a dor, me entrego ao docinho que persiste na geladeira há semanas. Mas é um daqueles cremes que a gente come quente, coloco no forno até esquentar. Eu e ele dividimos uma dúvida: melhor um inverno de geladeira ou um inferno no fogão? Devoramos nossas dores sem resposta. Ele perde a vida na minha boca. E minha boca perde o doce por querer tanta vida.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Eu acendi uma chaminha leve.

Pra aquecer seu cuidado, seu sorriso gostoso. Os traços fininhos das marcas de expressão que eu encontrei na sua testa nem fincaram mais. 

Mas alguma coisa aconteceu. Bateu aquela ansiedade louca de novo no meu peito. Ali na minha frente, algo incinerou minha calminha boa e acabei perdendo pra mim mesma. Como há tempos não perdia. Confundi tudo e o fogo que inesperadamente aquecia, começou a queimar. 

Eu que não nasci para as malícias todas da vida, entreguei os pontos. Confundi os sentidos. Os motivos todos e a graciosidade ficaram jogados no chão. Ainda estão. Um copo, dois colares e as tantas possibilidades. Nocaute. E que pena, minha imaginação ainda sim guarda um tudo tão diferente. 

A noite tragada pode ser uma manhã entregue. Tudo indica na previsão, no verão o dia nasce bem bonito. Que traga um sol infinito e um coração bem mais forte pra nós dois.