Foi só quando repousei
Que o passarinho pousou na minha mão.
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Atemóia
Estava à toa na vida, deitada no sofá, olhando o meu gato
passar e cantando coisas de amor quando apareceu lá em casa essa tal de atemóia.
Deitava estava e deitada continuei. Esticada,
completamente aconchegada no meu mundo azul, sem pretensões de levantar ou me ocupar
de algo que não fosse o deleite.
Era eu e uma playlist leve numa sexta à noite, ambos flutuando nas ideias.
Não sou explícita. A vida é inteira e graciosa quando
apreciada bem devagarzinho. Então, aos
pouquinhos, fui me apropriando daquela novidade. Primeiro, os olhares direcionados a captar tudo que pudesse. Dá-se a isso o nome de percepção. Aperceber-se de algo é ter consciência
imediata, quase que intuitiva do que lhe atém. Serenamente, fui concentrando as intenções. Nada abrupto, às
vezes é muito bom só aspirar bem-estar e prazer. “Bem-estar?”, que belo fim para as minhas tensões! Pensei
comigo: -Coisa boa deve ser. Se só de ver já me trouxe peito cheio de carinho
e satisfação.
Escamosa, verde, levemente madura, era consistente
por fora e por dentro parecia ser mais do que “parecia”. E aparecia. Fácil aos
meus olhos. Ficava ali exposta, perto de tudo que vejo, bem no meio da minha
sala, numa fruteira bem bonita de vidro trabalhado.
Um bom lugar pra se estar. Uma boa experiência a se ter.
Seria um convite?
Sim, seria.
E eu, como boa entendedora, aceitei.
Inacreditável.
Inacreditavelmente doce.
Inacreditavelmente macia e doce.
Todos os adjetivos que eu teria para uma fruta.
Mas quanto mais a gente sente prazer em algo, menos a
gente consegue falar sobre isso no momento. É deleitante. Como pode uma pessoa
sentir tanta poesia comendo um fruto?
Isso é prazer.
Prazer com as coisas mais leves. Mas de sabores
intensamente incríveis.
E depois que eu soube das proteínas, vitaminas, magnésio, zinco, cobre, cálcio
e ferro? Ali encerrava a minha busca. Morango, amora, kiwi, caju, tudo ficou lá
trás. Desintoxica-me! Esse é o maior poder da minha atemóia. Expansão de
imunidade que eu sempre quis conhecer.
E traz leveza às minhas ideias, enquanto deslizo essas
sementes pela boca.
Dá vontade de ficar jogando de um lado pro outro assim,
sem mastigar. Um paradoxo entre sabor, saliva e o prazer devorador da
substância. Bagunça meus pensamentos milimetricamente mastigados, em pedaços suaves
e crocantes. Pequenos flocos de açúcar mexendo com todo o meu ser. Nova
percepção à tudo que conheço, um capítulo de paz e delicadeza.
Essa é a história da menina que se apaixonou por um
fruto.
E o fruto dessa história,
É você.
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Danças Fúnebres 1
Eu vejo um dia branco, vejo árvores magras com folhas presas
por tênues fios, um bocado de neblina e três pardais. É domingo, estou sozinha.
Eu, deitada no banco do parque, usando minha echarpe
vermelha, como alívio para o pescoço. Ergo a cabeça pra trás, machuca um pouco,
parece que vou rachar. Mas vejo um mundo novo, ameno e de ponta cabeça. Quebra-cabeça.
Quebro a cabeça. E não reajo. Estive colocando um pouco de alma em tudo que vi na semana,
mas hoje, hoje é domingo. Estou sozinha.
Estou levemente resfriada, respiro mal, escuto mal, esses
tempos loucos de inverno e solzinho bom, sabe? Tudo tão singular. Os tempos de
cobertas quentes e roupa pouca. Propício para um chá, um filme, um vinho quente
e companhia. Mas hoje, hoje é domingo. Estou sozinha.
Parece que há mais gente nesse parque, quando cheguei não
havia nada além dos guardas nas entradas laterais. Olhavam-me em confusão,
dentro dos meus olhos, indagando "moça?". Não respondo, não hesito,
apenas continuo. Olho fixamente para frente, sem visão periférica, sem direção.
Mas agora estou deitada, desconfortavelmente, e escuto vozes
que gritam. Algo que eu não entendo, mas sei - estão histéricas. Chegaram crianças no parque. Chegaram alguns adultos também, e os pássaros
estão cantando estridentes. Há confusão e barulho. É domingo, há muita gente por perto.
Mas estou sozinha.
Alguma coisa além das folhas cai das árvores, não sei
exatamente o que é. Observo calada, com os olhos meio cerrados, prendendo a
visão pra corrigir a miopia. Mas nada além se revela. Parecem alucinações, a neblina entorpece
alguns sentidos meus e tudo parece meio turvo. Embaça. Há imagens mentais se
desmanchando em partículas de água. A cerração lutando contra o corpo, um pra me
esfriar, um pra me aquecer.
Não há perplexidade. Aceito o transtorno em silêncio. Não há
cor nem dor. Há um branco leitoso - do céu, e há a minha pele branca - de neve.
Não há tristeza. E não há o que chorar. É uma dança fúnebre. Tudo está sincronizado, o dessabor com
a dissonância. As crianças estão cantando, os adultos falam, vez por outra
gritam em tom repreensivo. Imagens que não vejo. Continuo deitada, metade da
echarpe vai escorregando para o chão. É nova, macia, aveludada, vermelha. É a
única cor que preenche essa desordem. Já não estou mais tão desconfortável quanto
antes. Estou mais desconfortável que antes.
Mas continuo deitada. Não há reparo. É um domingo fúnebre.
Estou sozinha.
E não há mais o que fazer.
domingo, 5 de janeiro de 2014
Calango e Caatinga
Luto pela sobrevivência. Senão, não luto. Só vivo, só-rio
e mar. Mas sobrevivência é coisa séria, é o pesadelo do sertão no calor
impiedoso. Pudera ele ser palco somente de saliva e suor. É quente a noite negra, estrelada. Mas ao
dia, ao longo dia, ao meio-dia, essa luta por si só já está perdida.
O Sol que amanhece são, é o mesmo que cintila arrebol ao cruzar a Terra. Racha chão, seca açude e faz búfalo relinchar até
morrer. E morreu, caiu e causou estrondo. Parecia até trovoada. Houve
chuva sim; mas fora sangue saltando entre a poeira, em que tudo é cegueira, tudo é o nada.
Até que se assentem os grãos de barro ressequido.
O Sol que é rei, é ressentindo e genioso. Quente.
Misteriosamente atraente e temido. Até hoje, não soube se perdeu ou ganhou
fechando o solo com tanta violência. A terra, que está mais para agreste, já esteve viva e alagada em mangue, já foi úmida e viçosa floresta; Bio-diversidade. Nem há pretexto pra castigo. Quem implica contigo são as matas de concreto! Mas o mesmo imponente Sol está selado a reflexões, se
fazendo de louco, ou se fechando um pouco.
A resposta está na atemporalidade? Se deixa entrar ele
entra. Mas se fechar a porta e não deixar, ele entra também. Mesmo esquecido, a
memória é vasta. Ignora os limites de espaço e tempo. Qualquer microporo é
fresta boa. Para uma boa festa.
Festejo bom seria se esses fossem só raios do amor. Só
amor. Mas há aspereza e ressentimento, há voracidade. Eu morreria de amor por esse Sol. Mas no sentido figurado
da coisa. O Sol, irracional e insensato não processou bem as ideias. Mandou
ver, matou mesmo. Só restou o solo rachado e um calango sassarico
findando pé entre crânios de boi e cactos, ex-verdeados.
Tudo deu errado; Paciência. Sobrevivência é a arte de sob
(o mesmo teto e chão) persistir na caatinga e ainda viver.
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