terça-feira, 27 de novembro de 2012

É um caminho sem volta.

Como a correntinha de ouro que eu perdi na praia. Como os brinquedos guardados por guardar, sem pretexto. A gente cresce e nunca mais brinca. Por mais que eu tenha guardado aquela única boneca, a bola de praia do verão de 96, a caixa cheia de bloquinhos de lego, a aliança do primeiro flerte na adolescência. Tudo acaba morrendo nas caixas, entre as incorrigíveis paredes que separavam a reminiscência.

E nem importa o quão grandiosas tenham sido. O tempo não volta, e raramente a gente volta pra memorar as lembranças do tempo.

Sabe o que aconteceu, amor? O calor que fazia no seu quarto no verão andou deformando a beleza do nosso império. Não bastasse o tempo, tão antagônico e indigesto.

Superamos fases, dores, amores. Superamos esse momento. E a mais dura de todas as verdades é que superamos pessoas. E elas, irredutíveis, nos superam também.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um marrento de Rider

Ele é o meu batuque. A porta caprichosamente pintada. Queijo, pão e ovo, bem fritinhos. É a minha meninice escondida. A mania de rasgar as coisas nos períodos de fúria. Alias, é a minha fúria. Meu impulso e análise. Ele jura que não se importa, mas me olha com insistência reparando nos meus vestidos bonitos. E assobia alto. Um sucesso.

É por causa dele que eu ligo o carro já querendo passar a 3ª marcha. E um bom motivo pra adorar aquelas frutas todas penduradas no boteco.

Eu o observo. Quando nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrange. Ameaça abaixar a cabeça, mas sustenta o olhar e fixa. É uma timidez momentânea. Mas acaba, afinal, ele É.  Das maiores certeza que os meus olhos conheceram; tanto que eu abro um sorriso.

Sabe o cheiro de casa nova? Ele é isso também. As fatias todas do bolo que ele vai comendo enquanto fala. A vitamina C, o pedido de cuidado com a rua, calçadas, estradas e escadas que eu detesto. A intuição que ficou na minha cabeça. A vontade de não me importar. O desfecho bonito do filme. Ele é o índice daquele livro de física que eu ganhei e doei, sequer folheei.

Minha rua, minha agonia, as lágrimas da infância. Ele é tudo. O golpe de judô, o videogame, meu dom espontâneo pra fazer carinho mordendo e beliscando. Os paquímetros que ficaram nas gavetas, e todo o cansaço que eu tenho pra arrumar as coisas que ele bagunça. 

Ele é o meu não. O olhar que me reprime e depois volta atrás. Meu baixinho expressivo, o brinquedo engenhoso que eu tive. Os meus olhos lúdicos. As histórias que ele amarra, a criatividade dos livros. Os cálculos que eu nunca consegui fazer, ele me ensinou. Eu não aprendo, mas ele aceita. A gente não entende, mas sempre se aceita. Termina o dia rindo, falando em inglês. 

Ele é a obsessão de uma vida, as cinco mil músicas que gravou no Cd. A saudade que ele deixa quando pega o avião. Ele é o meu sangue A. Minhas pernas grossas são dele. A preguiça, toca dos leões. Arte da guerra. O olhar que demora pra entender o amor. A maior sina da minha genética, miopia. Sufoco quando ele sufoca, preocupação, estalo. Meu ‘sabe-tudo’.  A raiva horrorosa que eu tenho. Os nós que a nossa sobrancelha dá. Ele é minha vontade de nadar na praia, mas que delícia. 

Eu juro que odeio. Odeio muito o motor do carro roncado quando ele acelera. E ameaça atropelar todo mundo. Mas meu mundo desvira. Ele me olha nos olhos com o carinho que eu busco. O aviãozinho dos braços, voando aos 3 meses de vida. As piadas idiotas que eu repito antes de dormir pra mantê-lo aceso na saudade. Por causa dele, eu tive que aprender a viver. A aceitar a vida como ela é. A driblar o peso de um orgulho. Sutil, agressivo, incisivo, briguento de paz e ciumento sem ciúme.

O desespero no telefone. O carrinho de rolemã da infância dele, e o pintinho que ficou no bolso da calça e não resistiu a viver.  Minha loucura, o sempre ‘do contra‘. A questão que eu não consigo responder, e nem ele. Mas a gente se diverte. Meu agradecimento, a única lágrima que caiu do olho... Mas nossa, que sincero. A mesa cheia de restos de borracha. Eu sou a menininha que repousa o queixo nessa mesa. Ele é o meu pai. Um marrento de sandálias. Rider.

Não que eu tenha crescido. O nosso imenso mundo foi que encolheu.