sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Menino

Nasci num mundo em que a gente aprende, antes mesmo de começar a ler, que homens não choram. Até que chega o dia que a gente se depara com aquele menino malvado que apavorou a quarta série, chorando num cantinho miúdo entre o banheiro e o bebedouro do colégio.
Eu não preciso explicar pra você entender. Ninguém precisa. A vida é óbvia, mesmo que a gente comece a convivência com um papo todo blindado, repleto de complexidade. Mesmo naqueles dias em que sentamos cada orgulho de um lado do sofá, verticais. Cada cerveja em sua própria lata, sem articular sequer uma única palavra.  Mesmo que você vasculhe meu gingado, desemaranhe meus gestos em forma de desenho, cada palavra que eu pinto e bordo nessas toalhas pra você. Até o lado obscuro de toda a minha dor ou ainda a estridência que é o amor depois de uma sessão de choro e devaneio. Você pode um dia chegar a conhecer cada entrelinha daqui, prosa dali, verbo de cá.  Mas uma coisa que você nunca vai ver: a vida com um gosto morno.  Uma vez cruzados dois caminhos, o incêndio permanecerá até o fim. 

Talvez nada mesmo seja feito de certezas. Claro, pode acontecer de confundirmos nossos caminhos amanhã de manhã. Bússolas nem sempre regulam iguais. Com o tempo, aprendi a deixar de lado toda a exatidão das avenidas.  Há algo que pulsa nas esquinas da Sorte. O que pode ser rotulado por Deus, Natureza, Cosmos, Homem, Buda, Constelação, Guerra nas Estrelas, Planeta de Macacos... Às vezes é algo simples como o ‘Amor’. 

E isso, definitivamente, não se deve ao acaso. 

Convivência não precisa ser integral para ser completa. Mas deve ser perseverante. Como quando a água quebra ondas incansáveis na praia até molhar a calçada, sem motivo algum.
O amor, primitivo e necessário, simplesmente não precisa de motivos. Ele acontece.

Portanto, não me faça rir todos os dias do ano. Eu acho isso um tédio. Função de x, y e z só tem praticidade na economia. Que as condicionais sejam cada vez mais ‘in’. Incondicionais, e sem pretexto para tantos donos da razão.

Apesar das tantas opiniões sobre as verdades do mundo, o único motivo que pode realmente me fazer odiá-lo pelo resto da minha vida vai ser se você insistir em deixar a barba crescendo abaixo das bochechas. E sair arranhando a minha pele como já faz, (e eu adoro), mas juro que um dia raspo tudo enquanto dorme.

Um acessório pra uma mulher pode ser algo simples como um lenço. Um colar de bolinhas, talvez. Mas um homem só precisa de uma barba pra deixar de carregar a sina de menino. 

Meninos, malvados e bonzinhos ao mesmo tempo, têm olhos de cores tão parecidas como aqueles pontinhos brilhantes no céu que a gente só enxerga na escuridão noturna. Décadas de convivência com uma centena deles, sem entender como eles acontecem. E porque fazem tanto barulho. Até o dia que você acorda com o celular de um deles gritando ao pé do ouvido. E ao acordar, são mais meninos ainda. O espreguiçar levinho, os olhos ‘chinesin’ abrindo devagar, se tornando duas bolas de gude de cores indecifráveis de tão bonitas. Gestos puros, primitivos como a natureza nascendo para brindar o sol.

Uma preguiça carinhosa de criança se mantém intacta, até que pegue o celular pra ver a hora, mesmo sabendo que já é hora. Protelando o recomeço de mais um dia de um homem-menino. 

Não que eu subestime os homens, mas apenas os meninos são realmente incansáveis. São eles que te atormentam durante toda a vida, grudam chiclete no seu cabelo, quebram suas bonecas. Os responsáveis pelas primeiras e tantas outras lágrimas de felicidade, de tristeza, saudade, amor, desilusão. Desses meninos que a gente nunca esquece, nunca perde, nunca deixa de reconhecer. O mundo é duro, disso eu sei. Só não sei se saberia viver do jeito leve que vivo sem a grandeza desse menino.

domingo, 2 de setembro de 2012