Nasci num mundo em que a gente aprende, antes mesmo de começar
a ler, que homens não choram. Até que chega o dia que a gente se depara com
aquele menino malvado que apavorou a quarta série, chorando num
cantinho miúdo entre o banheiro e o bebedouro do colégio.
Eu não preciso explicar pra você entender. Ninguém precisa. A
vida é óbvia, mesmo que a gente comece a convivência com um papo todo blindado,
repleto de complexidade. Mesmo naqueles dias em que sentamos cada orgulho de um
lado do sofá, verticais. Cada cerveja em sua própria lata, sem articular sequer
uma única palavra. Mesmo que você vasculhe
meu gingado, desemaranhe meus gestos em forma de desenho, cada palavra que eu
pinto e bordo nessas toalhas pra você. Até o lado obscuro de toda a minha dor
ou ainda a estridência que é o amor depois de uma sessão de choro e devaneio.
Você pode um dia chegar a conhecer cada entrelinha daqui, prosa dali, verbo de
cá. Mas uma coisa que você nunca vai
ver: a vida com um gosto morno. Uma vez
cruzados dois caminhos, o incêndio permanecerá até o fim.
Talvez nada mesmo seja feito de certezas. Claro, pode acontecer
de confundirmos nossos caminhos amanhã de manhã. Bússolas nem sempre regulam iguais.
Com o tempo, aprendi a deixar de lado toda a exatidão das avenidas. Há algo que pulsa nas esquinas da Sorte. O
que pode ser rotulado por Deus, Natureza, Cosmos, Homem, Buda, Constelação,
Guerra nas Estrelas, Planeta de Macacos... Às vezes é algo simples como o ‘Amor’.
E isso, definitivamente, não se deve ao acaso.
Convivência não precisa ser integral para ser completa. Mas deve
ser perseverante. Como quando a água quebra ondas incansáveis na praia até molhar
a calçada, sem motivo algum.
O amor, primitivo e necessário, simplesmente não precisa
de motivos. Ele acontece.
Portanto, não me faça rir todos os dias do ano. Eu acho isso
um tédio. Função de x, y e z só tem praticidade na economia. Que as
condicionais sejam cada vez mais ‘in’. Incondicionais, e sem pretexto para
tantos donos da razão.
Apesar das tantas opiniões sobre as verdades do mundo, o
único motivo que pode realmente me fazer odiá-lo pelo resto da minha vida vai
ser se você insistir em deixar a barba crescendo abaixo das bochechas. E sair arranhando a minha pele
como já faz, (e eu adoro), mas juro que um dia raspo tudo enquanto dorme.
Um acessório pra uma mulher pode ser algo simples como um
lenço. Um colar de bolinhas, talvez. Mas um homem só precisa de uma barba pra
deixar de carregar a sina de menino.
Meninos, malvados e bonzinhos ao mesmo tempo, têm olhos de cores tão parecidas
como aqueles pontinhos brilhantes no céu que a gente só enxerga na escuridão
noturna. Décadas de convivência com uma centena deles, sem entender como eles
acontecem. E porque fazem tanto barulho. Até o dia que você acorda com o
celular de um deles gritando ao pé do ouvido. E ao acordar, são mais meninos
ainda. O espreguiçar levinho, os olhos ‘chinesin’ abrindo devagar, se tornando
duas bolas de gude de cores indecifráveis de tão bonitas. Gestos puros,
primitivos como a natureza nascendo para brindar o sol.
Uma preguiça carinhosa de criança se mantém intacta, até
que pegue o celular pra ver a hora, mesmo sabendo que já é hora. Protelando o
recomeço de mais um dia de um homem-menino.
Não que eu subestime os homens, mas apenas os meninos são
realmente incansáveis. São eles que te atormentam durante toda a vida, grudam chiclete no
seu cabelo, quebram suas bonecas. Os responsáveis pelas primeiras e tantas
outras lágrimas de felicidade, de tristeza, saudade, amor, desilusão. Desses
meninos que a gente nunca esquece, nunca perde, nunca deixa de reconhecer. O mundo
é duro, disso eu sei. Só não sei se saberia viver do jeito leve que vivo sem a
grandeza desse menino.