segunda-feira, 2 de junho de 2014

Danças Fúnebres 1

Eu vejo um dia branco, vejo árvores magras com folhas presas por tênues fios, um bocado de neblina e três pardais. É domingo, estou sozinha.

Eu, deitada no banco do parque, usando minha echarpe vermelha, como alívio para o pescoço. Ergo a cabeça pra trás, machuca um pouco, parece que vou rachar. Mas vejo um mundo novo, ameno e de ponta cabeça. Quebra-cabeça. Quebro a cabeça.  E não reajo. Estive colocando um pouco de alma em tudo que vi na semana, mas hoje, hoje é domingo. Estou sozinha.

Estou levemente resfriada, respiro mal, escuto mal, esses tempos loucos de inverno e solzinho bom, sabe? Tudo tão singular. Os tempos de cobertas quentes e roupa pouca. Propício para um chá, um filme, um vinho quente e companhia. Mas hoje, hoje é domingo. Estou sozinha.

Parece que há mais gente nesse parque, quando cheguei não havia nada além dos guardas nas entradas laterais. Olhavam-me em confusão, dentro dos meus olhos, indagando "moça?". Não respondo, não hesito, apenas continuo. Olho fixamente para frente, sem visão periférica, sem direção. 
Mas agora estou deitada, desconfortavelmente, e escuto vozes que gritam. Algo que eu não entendo, mas sei - estão histéricas. Chegaram crianças no parque. Chegaram alguns adultos também, e os pássaros estão cantando estridentes. Há confusão e barulho. É domingo, há muita gente por perto.
Mas estou sozinha.

Alguma coisa além das folhas cai das árvores, não sei exatamente o que é. Observo calada, com os olhos meio cerrados, prendendo a visão pra corrigir a miopia. Mas nada além se revela. Parecem alucinações, a neblina entorpece alguns sentidos meus e tudo parece meio turvo. Embaça. Há imagens mentais se desmanchando em partículas de água. A cerração lutando contra o corpo, um pra me esfriar, um pra me aquecer.
Não há perplexidade. Aceito o transtorno em silêncio. Não há cor nem dor. Há um branco leitoso - do céu, e há a minha pele branca - de neve.

Não há tristeza. E não há o que chorar. É uma dança fúnebre. Tudo está sincronizado, o dessabor com a dissonância. As crianças estão cantando, os adultos falam, vez por outra gritam em tom repreensivo. Imagens que não vejo. Continuo deitada, metade da echarpe vai escorregando para o chão. É nova, macia, aveludada, vermelha. É a única cor que preenche essa desordem. Já não estou mais tão desconfortável quanto antes. Estou mais desconfortável que antes.
Mas continuo deitada. Não há reparo. É um domingo fúnebre.
Estou sozinha.

E não há mais o que fazer.

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